quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Um só desejo

Sonhei com um adulto a dizer-me: "Um dia saberás do que sou capaz".


Mas eu já sei, meu filho, e vou acreditar em ti sempre.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Alguém

lhes chamou Fortaleza Vazia, num clássico qualquer da área da psicologia. Vou ali ver se há fundamento e já venho.

Foi ela que me disse, a psicóloga de 50 anos que trabalha emoções. Aceitá-los sem restrições, sem contestações, sem questões ou imposições. Deixá-los ser. Na essência de tudo: mimar. Ajudá-los a libertar o caudal de emoções que, neles, se faz cercar por uma barragem. Por enquanto, vejo uma Fortaleza Cheia de muita coisa. Sobretudo de mistérios e emoções retidas.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Muito havia a dizer

e muito a actualizar, mas, por hoje, apetece-me só registar um pequeno momento passado por ocasião da segunda visita ao Centro de Desenvolvimento.

No parque de brincadeiras, aparece um menino grande, sorridente, de olhar algo vago. Não sei o que há de diferente nele. Brilham-lhe os olhos, mas ele parece mais do que um menino grande banal. Não tem aquela curiosidade profunda no olhar que vê quem olha de fora. Na altura, não o mirei demasiado. Sorri-lhe só. Mas agora, sempre que o recordo, fixo-me no sorriso de olhos verdes estranhamente nítido. Como se, naquele corpo grande de menino de 12 anos, o que sobressaísse fossem os pormenores. O ar de quem está, mas não está. Aquele olhar típico de quem vê algo que eu não estou a ver. Não sei se era autista. Se era muito ou pouco autista. Sei que havia nele qualquer coisa. Podia ser só timidez. O meu filho estende-lhe os braços. Ele pega nele ao colo. O que eu vejo, de facto, são dois meninos a sorrirem um para o outro e a olharem-se olhos nos olhos, felizes. Dois seres que comunicaram.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Pai Natal

Eu queria, por um dia, ter uma alma simplex.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Deixa-me cá aproveitar

que já não corro risco de ser avaliada nem diagnosticada, portanto posso dizer o que bem me apetece.

Chegou o relatório. Nem vale a pena mencionar o tempo que levou a ser redigido, pese embora a boa vontade, simpatia e profissionalismo do especialista que o compilou. O quadro, como seria expectável é compatível com uma PEA. Olhei para as cotações como um boi a olhar para um Centro de Desenvolvimento Infantil. Depois, passei aos factos discriminados e senti os chifrezitos a crescerem cada vez mais. Ora, ora, que mais se podia esperar de mim, que, em adolescente, já me achava capaz de contestar as filosofias de Kant e Hegel? Tenho a mania que sou fina, prontoS.


Fora os pontos fracos do meu filho, que conheço como ninguém, e que já aqui os esmiucei como um macaco à cata de piolhos, os restantes sintomas desconhecidos, explanados no relatório, deixaram-me com a carraça atrás da orelha. Subjectividade e consequente manipulação é o que se espera sempre de ciências não exactas.

Exemplifico (sendo as alíneas postas por mim):

A bold, o registo do psicólogo. A itálico, os meus comentários.

a) Quando o examinador pergunta se o catraio roda pneus de carrinhos, o pai, santo inocente, diz que às vezes. Pois claro, por segundos e quando são novos. Nunca o vimos a rodar coisas repetidamente, a bem dizer. FOI COTADO.

b) pergunta como reage a criança aos outros. Respondemos: de uns gosta, de outros não, por vezes ignora quem não lhe interessa. "Reage diferente a cada pessoa, mas, por vezes, responde desadequadamente". FOI COTADO.
Sim, senhor,como queira. Deveria ter-lhe dito que, a maioria dos filhos dos meus amigos, e até o meu afilhado, me ignoram quando não me vêem por muito tempo? É melhor não, que, às tantas, diz que estou em negação.Prosseguindo:

c) Demonstrou pouco prazer em brincadeiras com o examinador (cócegas).. FOI COTADO.
Exacto... se atirar-se para o chão às gargalhadas não contar.

d) No jogo do faz- de conta, deu papa e alimentou os bonecos e, só por uma vez, deu papa ao examinador. . FOI COTADO.
Suponho que devesse tê-lo feito repetidamente, tal era a fome de paciente e médico.

e) Por vezes pareceu devolver o sorriso ao examinador. FOI COTADO.
Pareceu??? Engraçado, não se riu para o examinador, mas fartou-se de flirtar com a estagiária...É selectivo, graças a Deus.

f) Nas brincadeiras, houve alguma dificuldade em fazer com que largasse o brinquedo da Rua Sésamo.. FOI COTADO.
Pois, já o neuropediatra tinha dito que havia ali um sinal mas, pelos motivos contrários, porque o rapaz se dispersava nas brincadeiras...Muito coerente.

g) No jogo não sei das quantas, demonstrou ter pouca espontaneidade e pouca criatividade . FOI COTADO.
Eu bem lhe disse, filho, depois de estares quatro horas fechado com um desconhecido, por favor, vê se engendras uma verdadeira novela mexicana com o cão e o gato de peluche que te vão dar para brincar.

h) Rejeita alguns sólidos, a não ser que disfarçados na comida. FOI COTADO
Também eu...bacalhau e couve de Bruxelas, por exemplo...

i) No faz- de conta, tentou meter a plasticina à boca e o bloco táctil, o que evidencia comportamentos desadequados. FOI COTADO.
Então mas aquilo não era a imitar um bolo de anos? O miúdo entusiasmou-se.

j) Por vezes corre à volta do sofá.. FOI COTADO.
Bem, há quem goste de tirar macacos do nariz...

Podia continuar e continuar, mas, por agora, não tendo os papéis à mão e tendo feito isto tudo de cabeça, prefiro tecer outras considerações gerais. Estas alíneas acima são perfeitamente ridículas e subjectivas. Muitos dos itens cotados tiveram a sua lógica e são 100% reais, que não se pense que fui acometida de cegueira materna. Não apontou, usou os pais como ferramentas e falou muitas palavras idiossincráticas, entre outras. Certíssimo. Assim era na altura, agora nem tanto, mas não vamos misturar os temas e os timings.


Aquilo que me espanta é que não tenham em conta que, num ambiente controlado, seriam, efectivamente, pouco os meninos que se sujeitariam àquele massacre com alguém que nunca viram na vida. Todos teriam sorrido e confraternizado HORAS A FIO como se ali houvesse cumplicidade e empatia naturais? Muito me espantou a forma como o miúdo colaborou, não rejeitando todas as brincadeiras propostas e a verdadeira seca que é estar a enfiar pecinhas em buraquinhos. Mas a validade dos testes não a contesto, é assim e pronto. O que me faz confusão é a interpretação dos factos/dados, sabendo que menos dois ou três pontos ali podem transformar um diagnóstico de uma PEA em coisa nenhuma. Ou em algo sem nome e sem medidas. É como condenar alguém por homicídio, com base em suspeitas. "Ninguém viu a faca usada para o assassinato, mas sabe-se que arguido, de vez em quando, pega numa". Pretende-se confirmar uma teoria, certo? Se o objectivo fosse refutá-la, os resultados objectivos poderiam ter sido outros. Não preciso de dizer mais nada.

Depois foram as conclusões. Generalizadas. Chapa quatro, o examinador discorreu sobre todas as características de uma PEA, sem atender aos blocos de dados que, no caso do meu filho, deram zero, como são as estereotipias e interesses e rotinas restritos. Não seria de esperar outra coisa. Corre-se a carneirada a um documento feito para todos, só se muda o nome. Em algumas frases, onde no documento geral se leria "deve o menino com autismo, blá blá...", nem sequer houve o trabalho de o preencher apenas com o nome da criança, aparecendo algo como isto: "O Pedro com autismo, blá blá".

Ou ainda: "O Pedro deve ser sentado num ambiente de trabalho específico, onde ela deverá ser cativada para...". Não há comentários possíveis. É como o médico que escolhe uma receita à toa e limita-se a mudar o nome do paciente. Coisa estúpida quando se trata de um espectro tão vasto.

Onde estão as intervenções personalizadas? Conclui-se que o Pedro deve ser sujeito a um rol de rotinas estabelecidas, and so on and so on... Pergunto eu: Qual é a utilidade de estar a criar rotinas rígidas para uma criança que as não tem? Será para transformar aquilo que ainda é cura em doença? Custava muito terem desenhado uma intervenção específica para as questões onde o MEU filho tem problemas? Depois não é suposto ninguém questionar-se sobre isto... eles são prós, pá, não desconfies. Pois não, devo começar já a tratar-me para o cancro, tendo eu um quistozito, né?

A lógica da pressa e do dinheiro mina tudo, pelos vistos. Sustentar uma máquina daquelas (centro de desenvolvimento) não é fácil. Tinha pedido especificamente que, numa fase inicial, o relatório enviado à educadora, devia dar as dicas, sem especificar que ali havia uma PEA. Essa "novidade" seria trabalhada por mim, se necessário fosse, devagar e respeitando o meu tempo e do meu filho. Qual quê? À cabeça de cada folha, vem em letras visíveis: "Perturbação do Espectro Autista".

Para quem não sabe, eu questiono muito, muita coisa. Graças a esse olho clínico (passo a ironia), já a minha criancinha foi diagnosticada distintamente por três médicos diferentes, em várias maleitas infantis. Quando se passa para o domínio das ciências da mente, a desconfiança duplica e o meu detector de incongruências começa a apitar. Não espero outro diagnóstico, por enquanto, o menino é ainda muito pequeno e está em franca evolução, mas pedia, pelo menos, um pouco de respeito e honestidade.

*Já agora, alguém a quem eu não tenha pago 200 euros, pode fazer-me a caridade de explicar o que raio é o TEACCH concretamente?

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Ouvi dizer

de fonte muitíssimo segura, (como dizem os outros...) que há cada vez mais meninos a sair dos centros de desenvolvimento infantil com diagnósticos de adivinhem quê? Virose!!! Que é como quem diz, segundo uma tirada brilhante da MariaMartim, Perturbações do Espectro Autista. Desta vez, é assim tipo um surto vírico que está a espantar o meio. Deixem-me aparvalhar de vez... porque o meu cérebro nojentamente normal, não pára de trabalhar desde então. Pais mais informados, menos discernimento por parte dos avaliadores, mais casos adversos, originados, sei lá, pelo lixo ambiental do mundo de hoje? Aceitam-se conjecturas absurdas, já que pouco mais nos resta senão conjecturar e inventar teorias mirabolantes. Não estarão já os neuropediatras e os psicólogos um pouco autistas? Ó pá, pergunto eu, a iluminada que já chegou a achar que tinha sido a abóbora da sopa a atrasar o desenvolvimento do meu menino. Acho que nada me dará mais gozo quando o vir a transformar-se num porsche.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Ecolalia

de ideias. É disso que eu padeço. Se reler os meus textos, dou conta do eco que deixo como rasto. Comunicação, palavras, palavras, comunicação. E a minha análise é quase sempre a mesma. Gosto de tragi-comédias. E, talvez por isso, rio-me de mim mesma.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Mais e mais dúvidas

Na preocupação de que nenhuma das pessoas que sabem perca a naturalidade, perdi-a eu. Tudo me parece mal, desadequado e maçador. Sei o que é brincar com prazer. E não me parece que o deixemos. Comecei a estabelecer para os outros ordens que, sem querer, podem afectar a personalidade do meu filho. "Não o provoques", digo à minha mãe. "Não te metas com ele agora que está de neura. Deixa- o estar. Respeita o seu tempo e o seu espaço. Não digas assim, diz antes assado, Não digas homem, diz antes senhor.". Frases que me saem inadvertidamente e que chateiam quem me ouve. É uma faca de dois gumes. Não quero que o tratem diferente, mas potencio essa diferença. Ele ouve as minhas advertências e, decerto, interpreta-as como "Eu é que sou importante. Todos estão proibidos de me chatear quando estou zangado". Como se as chatices não fizessem parte da própria condição de ser. Há dois ou três dias, a avó do meu filho, minha mãe proporcionou isto aos meus ouvidos:

- Pedro (nome fictício), onde está a maçã? A maçã? Onde está a maçã? Dá a maçã à avó. Dá a maçã à mãe. A maçã? A maçã? Maçã, maçã, maçã... Maçã e MAÇÃ, MAÇÃAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA.


Foi o que eu ouvi. Ele não sei. Deu-lhe a maçã e virou costas. Imaginei-o, um destes dias, a deitar fuminho pelas orelhas, com os fusíveis a queimar. CHATOS. NÓS SOMOS CHATOS.

Não tive mais. Nesta e noutras circunstâncias sai-me: "Mas ele é alguma cobaia??? Algum rato de laboratório???".

Sinceramente, não sei até que ponto o querer ajudar tanto lhe é benéfico, em certos aspectos. Talvez o torne ainda mais diferente, lhe acentue as imaturidades. Olho para o meu afilhado. Parece um meninão. Age como um rapaz. Pode não saber metade, não ligar a letras, a números, notas musicais ou puzzles, mas lá vai crescendo sem estímulos de maior, todo desenrascado. Imagino-nos a fazer o mesmo com ele. As solicitações, por vezes absurdas para que faça algo que não quer fazer. Não nos ligaria por mais de dois segundos, a nós e às nossas metas aborrecidas e exigentes. Se a minha mãe me tivesse criado com tantos salamaleques eu seria, certamente, diferente daquilo que sou hoje. Se a minha sogra não respeitasse tanto o filho, talvez o meu marido não fosse hoje o optimista que é, com alicerces sólidos debaixo do pensamento.

A chamada intervenção precoce pode ter, de facto, dois lados. Não o massacramos, mas, obviamente, agimos de forma diferente daquela em que eramos família antes do autismo parar na nossa casa como uma sombra desavinda. O meu filho já diz as palavras todas, repete-as, até mesmo as que parecem mais difíceis. Comunica com tudo, com o corpo, com os abraços, com os olhares e com os sorrisos, mas o meu grande desgosto continua a ser não manifestar intenção de nos dar conta dos seus sentimentos.

Dizer: Tenho frio, tenho fome, tenho medo, quero mimo, quero outra roupa. Manifesta, por exemplo, intenções com palavras soltas: pepê, água, bolacha, pão, colo ou titi, mamã, papá (quando pretende a companhia de alguém em particular). Não sei se sairá deste patamar, apesar das evoluções cadentes que vai tendo. É bem capaz de sair mais e mais, ao seu ritmo lento. Mas se calhar nunca será grande conversador. Assim como assim, aquilo que não me posso permitir é o de estar a criar um pequeno tirano, a pretexto de uma característica (perturbação?) do seu desenvolvimento.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Gostava

que fosse coincidência o facto de ele não responder a quase nada que lhe pergunto. Nota-se que percebe, mas não responde.