domingo, 16 de dezembro de 2007

Deixa-me cá aproveitar

que já não corro risco de ser avaliada nem diagnosticada, portanto posso dizer o que bem me apetece.

Chegou o relatório. Nem vale a pena mencionar o tempo que levou a ser redigido, pese embora a boa vontade, simpatia e profissionalismo do especialista que o compilou. O quadro, como seria expectável é compatível com uma PEA. Olhei para as cotações como um boi a olhar para um Centro de Desenvolvimento Infantil. Depois, passei aos factos discriminados e senti os chifrezitos a crescerem cada vez mais. Ora, ora, que mais se podia esperar de mim, que, em adolescente, já me achava capaz de contestar as filosofias de Kant e Hegel? Tenho a mania que sou fina, prontoS.


Fora os pontos fracos do meu filho, que conheço como ninguém, e que já aqui os esmiucei como um macaco à cata de piolhos, os restantes sintomas desconhecidos, explanados no relatório, deixaram-me com a carraça atrás da orelha. Subjectividade e consequente manipulação é o que se espera sempre de ciências não exactas.

Exemplifico (sendo as alíneas postas por mim):

A bold, o registo do psicólogo. A itálico, os meus comentários.

a) Quando o examinador pergunta se o catraio roda pneus de carrinhos, o pai, santo inocente, diz que às vezes. Pois claro, por segundos e quando são novos. Nunca o vimos a rodar coisas repetidamente, a bem dizer. FOI COTADO.

b) pergunta como reage a criança aos outros. Respondemos: de uns gosta, de outros não, por vezes ignora quem não lhe interessa. "Reage diferente a cada pessoa, mas, por vezes, responde desadequadamente". FOI COTADO.
Sim, senhor,como queira. Deveria ter-lhe dito que, a maioria dos filhos dos meus amigos, e até o meu afilhado, me ignoram quando não me vêem por muito tempo? É melhor não, que, às tantas, diz que estou em negação.Prosseguindo:

c) Demonstrou pouco prazer em brincadeiras com o examinador (cócegas).. FOI COTADO.
Exacto... se atirar-se para o chão às gargalhadas não contar.

d) No jogo do faz- de conta, deu papa e alimentou os bonecos e, só por uma vez, deu papa ao examinador. . FOI COTADO.
Suponho que devesse tê-lo feito repetidamente, tal era a fome de paciente e médico.

e) Por vezes pareceu devolver o sorriso ao examinador. FOI COTADO.
Pareceu??? Engraçado, não se riu para o examinador, mas fartou-se de flirtar com a estagiária...É selectivo, graças a Deus.

f) Nas brincadeiras, houve alguma dificuldade em fazer com que largasse o brinquedo da Rua Sésamo.. FOI COTADO.
Pois, já o neuropediatra tinha dito que havia ali um sinal mas, pelos motivos contrários, porque o rapaz se dispersava nas brincadeiras...Muito coerente.

g) No jogo não sei das quantas, demonstrou ter pouca espontaneidade e pouca criatividade . FOI COTADO.
Eu bem lhe disse, filho, depois de estares quatro horas fechado com um desconhecido, por favor, vê se engendras uma verdadeira novela mexicana com o cão e o gato de peluche que te vão dar para brincar.

h) Rejeita alguns sólidos, a não ser que disfarçados na comida. FOI COTADO
Também eu...bacalhau e couve de Bruxelas, por exemplo...

i) No faz- de conta, tentou meter a plasticina à boca e o bloco táctil, o que evidencia comportamentos desadequados. FOI COTADO.
Então mas aquilo não era a imitar um bolo de anos? O miúdo entusiasmou-se.

j) Por vezes corre à volta do sofá.. FOI COTADO.
Bem, há quem goste de tirar macacos do nariz...

Podia continuar e continuar, mas, por agora, não tendo os papéis à mão e tendo feito isto tudo de cabeça, prefiro tecer outras considerações gerais. Estas alíneas acima são perfeitamente ridículas e subjectivas. Muitos dos itens cotados tiveram a sua lógica e são 100% reais, que não se pense que fui acometida de cegueira materna. Não apontou, usou os pais como ferramentas e falou muitas palavras idiossincráticas, entre outras. Certíssimo. Assim era na altura, agora nem tanto, mas não vamos misturar os temas e os timings.


Aquilo que me espanta é que não tenham em conta que, num ambiente controlado, seriam, efectivamente, pouco os meninos que se sujeitariam àquele massacre com alguém que nunca viram na vida. Todos teriam sorrido e confraternizado HORAS A FIO como se ali houvesse cumplicidade e empatia naturais? Muito me espantou a forma como o miúdo colaborou, não rejeitando todas as brincadeiras propostas e a verdadeira seca que é estar a enfiar pecinhas em buraquinhos. Mas a validade dos testes não a contesto, é assim e pronto. O que me faz confusão é a interpretação dos factos/dados, sabendo que menos dois ou três pontos ali podem transformar um diagnóstico de uma PEA em coisa nenhuma. Ou em algo sem nome e sem medidas. É como condenar alguém por homicídio, com base em suspeitas. "Ninguém viu a faca usada para o assassinato, mas sabe-se que arguido, de vez em quando, pega numa". Pretende-se confirmar uma teoria, certo? Se o objectivo fosse refutá-la, os resultados objectivos poderiam ter sido outros. Não preciso de dizer mais nada.

Depois foram as conclusões. Generalizadas. Chapa quatro, o examinador discorreu sobre todas as características de uma PEA, sem atender aos blocos de dados que, no caso do meu filho, deram zero, como são as estereotipias e interesses e rotinas restritos. Não seria de esperar outra coisa. Corre-se a carneirada a um documento feito para todos, só se muda o nome. Em algumas frases, onde no documento geral se leria "deve o menino com autismo, blá blá...", nem sequer houve o trabalho de o preencher apenas com o nome da criança, aparecendo algo como isto: "O Pedro com autismo, blá blá".

Ou ainda: "O Pedro deve ser sentado num ambiente de trabalho específico, onde ela deverá ser cativada para...". Não há comentários possíveis. É como o médico que escolhe uma receita à toa e limita-se a mudar o nome do paciente. Coisa estúpida quando se trata de um espectro tão vasto.

Onde estão as intervenções personalizadas? Conclui-se que o Pedro deve ser sujeito a um rol de rotinas estabelecidas, and so on and so on... Pergunto eu: Qual é a utilidade de estar a criar rotinas rígidas para uma criança que as não tem? Será para transformar aquilo que ainda é cura em doença? Custava muito terem desenhado uma intervenção específica para as questões onde o MEU filho tem problemas? Depois não é suposto ninguém questionar-se sobre isto... eles são prós, pá, não desconfies. Pois não, devo começar já a tratar-me para o cancro, tendo eu um quistozito, né?

A lógica da pressa e do dinheiro mina tudo, pelos vistos. Sustentar uma máquina daquelas (centro de desenvolvimento) não é fácil. Tinha pedido especificamente que, numa fase inicial, o relatório enviado à educadora, devia dar as dicas, sem especificar que ali havia uma PEA. Essa "novidade" seria trabalhada por mim, se necessário fosse, devagar e respeitando o meu tempo e do meu filho. Qual quê? À cabeça de cada folha, vem em letras visíveis: "Perturbação do Espectro Autista".

Para quem não sabe, eu questiono muito, muita coisa. Graças a esse olho clínico (passo a ironia), já a minha criancinha foi diagnosticada distintamente por três médicos diferentes, em várias maleitas infantis. Quando se passa para o domínio das ciências da mente, a desconfiança duplica e o meu detector de incongruências começa a apitar. Não espero outro diagnóstico, por enquanto, o menino é ainda muito pequeno e está em franca evolução, mas pedia, pelo menos, um pouco de respeito e honestidade.

*Já agora, alguém a quem eu não tenha pago 200 euros, pode fazer-me a caridade de explicar o que raio é o TEACCH concretamente?

5 comentários:

Anônimo disse...

Cara Isa,
Era exactamente à experiência que teve que eu me referia na minha "tirada" das viroses!No caso do meu, já com 9 anos em Julho, o diagnóstico era mais fácil e,aliás,nós cá em casa já o tínhamos feito,só precisávamos de pagar para ter uma "certeza" científica...! :-)Cada dia que passa nos confirma que temos em mãos um verdadeiro "Asperger"!
Vimos a semana passada o filme "Mozart and the Whale",traduzido em Luso para "Loucamente Apaixonados" e ali "vimos" o nosso menino,a falar o que não interessa a ninguém,a não olhar nos olhos do interlocutor,a ter um andar "esquisito",a não se organizar,etc.
No seu caso,acho que é melhor terem calma,aguardarem a evolução,pois ele é ainda muito pequeno e pode apenas estar a desenvolver-se "menos bem".
Invistam nos sectores em que ele tem mais dificuldade mas parcialmente, ainda sem rótulos pois pode evoluir positivamente.
Isto, claro está, são os conselhos de quem não tem qualquer formação na área e se socorre diariamente de algo que falta a muita gente:bom senso!
O nosso não tem qualquer terapia a não ser a caseira: "tens de nos olhar nos olhos quando falas connosco, quero um beijo mas uma beijo mesmo, não é a bochecha,diz obrigado ao mano,não te esqueças que amanhã tens ginástica", and so on...
Gosto do seu bom humor!
Um beijo amigo!
mariamartin

Anônimo disse...

Cara ISA,
Fiquei com a ideia que o relatório foi feito de forma tendenciosa. Julgo que qualquer criança sem PEA poderia ser cotada nesses items. O curioso é que o meu filho fez todos esses testes tendo sido declarado quadro clínico autista. No entanto, relatório nem vê-lo. Terei que requerer o acesso ao processo para ver como ficou na fotografia?!
TEACCH é um método usado nas salas de aula (ou em casa) que permite ensinar os meninos autistas de forma diferente: recorrendo a estimulos visuais - imagens. Uma vez que estas crianças funcionam melhor em ambientes estruturados, a sala de aula é organizada de forma a se desenvolverem rotinas de horário e de tarefas. No fundo serve para os ajudar a se comportarem de forma tão funcional e independente quanto possível. Esta página explica bem o que é:
carlagikovate.com.br/index_arquivos/Page790.htm

Um beijinho para si.

Anônimo disse...

Olá Isa,
Tb eu passei por esses diagnósticos com o meu filhoe sei bem do que fala. No caso do meu, foi avaliado em 4 dias diferentes por duas pessoas diferentes, nessa mesma instituição: 2 dias correram muito bem, ele estava bem disposto, correspondeu até acima daquilo que nos esperariamos. Os 2 últimos dias, correram pessimamente, estava adoentado, cansado, não queria sequer entrar no gabinete, por isso imagine como correu! claro que o relatório acabou por reflectir esta fase má, com apreciações que até tivemos dificuldade em entender. Contudo, também é verdade que gostei mais deste Centro do que outros.
Assim, do tempo que já levamos disto, acabamos por ir sendo mais selectivos nas abordagens terapeuticas que lhe proporcionamos. Continuo a achar que a metodologia "floor time - DIR", fez imenso por ele e acho mesmo que é o mais adequado para crianças pequenas ( vai muito de encontro aos interesses da criança e através daqueles vai trabalhando os aspectos mais problematicos, tudo numa grande colaboração da criança, porque ela está a brincar).
Quanto ao TEACCH, penso que é para crianças mais crescidas e com perturbações mais acentuadas o que, pelo que diz, não parece ser o caso do seu filho. Só para lhe dar um exemplo, uma técnica que acompanhava o meu filho, de um desses Centros de Desenvolvimento, insistia imenso que houvesse um quadro de tarefas especifico para o meu filho na sala do Colégio e em casa, muito ao género TEACCH. A educadora sempre se opôs pq ele acompanhava muito bem os ritmos da sala tal como estava planeada e achava que esses quadros o iriam prejudicar, porque iriam reduzir o esforço dele em tentar adapatar-se ao ambiente "normal", coisa que ele acompanhava sem dificuldades de maior. Este ano, em reunião de técnicos na escola, para darem a conhecer o meu filho à educadora de ensino especial, no âmbito de intervenção precoce, manifestaram-lhe todos, sem excepção (eram 3 tècnicos: educadora, terapeuta ocupacional e terapeuta da fala)que tais quadros não seriam nenhuma mais valia para ele, antes pelo contrario, iriam prejudicar a evolução da fala que agora está numa fase ascendente, já que ele faz uma boa leitura das situações e adquire facilmente as rotinas que lhe são propostas.
Como vê, o importante é que se vá adaptando à criança aquilo que é melhor para ela e isso só se consegue com as pessoas que a conhecem de facto e não com aquelas que a vêem em sessões que valem o que valem e que produzem receitas genéricas. Por isso, continue assim, com espirito critico e você saberá, melhor do que ninguém, o que resultará com o seu filho e invista de facto nisso. Por favor, não transforme o dia dele num fardo de treino de competências, digo-lhe já que com o meu não resultou e começou a deixa-lo deveras instável nos comportamentos, pelo que terminamos com essas sessões de treinos "amestrados".
um beijinho.
maria anjos

Anônimo disse...

Ola Isa...

felizmente, não me revejo nesse processo de diagnóstico. Até porque, tenho a felicidade de ter amigos a trabalhar na área da Pedopsiquiatria. O diagnóstico do meu filho, foi feito (como na minha opinião deveriam todos ser) em contexto familiar. Pois, só assim se consegue verificar, com exactidão quais os seus pontos menos bons.

O padrinho da minha filha é enfermeiro, e trabalha em pedopsiquiatria há mais de 15 anos. Para além dele, somos amigos de um pedopsiquiatra (que conhecemos através do padrinho da minha filha). Assim, e desde que começamos a reparar nas "esquisitices" do meu filho, fomos sempre falando disso, umas vezes com o padrinho da nossa filha, outras com o nosso amigo.

O meu filho, foi observado por ambos, quer em casa (porque frequentam a nossa casa), quer no parque, quer no infantário e em festas de aniversário. E sempre observaram a realidade dos comportamentos dele. Não observaram comportamentos "fabricados".

Neste momento, o meu filho apresenta uma evolução muito positiva. Fruto do trabalho "á medida" (e não de um trabalho "pronto-a-usar") e do grande empenho de todos os técnicos que trabalham com ele (e da nossa família também).

Infelizmente, nem todos tem o acesso fácil ao apoio que o meu menino tem tido.

Quanto ao seu menino, e ao diagnóstico que lhe fizeram, não preste muita atenção a tal. Ele ainda é muito pequenino, e está a evoluir. pode-se dar o caso de que em breve todos os sinais que apresenta se esbatam. Tenha esperança.

Um beijo grande

Anônimo disse...

NÃO LIGUE AOS DIAGNÓSTICOS/PROGNÓSTICOS/RELATÓRIOS E O DIABO A 4. Não posso ser mais explícito.
As "sumidades do autismo" com as quais mantive contacto durante as passagens por centro de desenvolvimento e afins são o que são: ídolos com pés de barro. Não que não sejam os melhores que temos; são é, ainda assim, fraquinhos e contratam técnicos que precisam de ter crianças em terapia para não voltarem aos call centers do sapo ou da PT.
Se a tudo isto juntarmos o facto de as PEA's serem (em grande maioria) de diagnóstico puramente comportamental e oferecerem uma larga margem de manobra no que concerne a avaliação qualitativa e quantitativa, estamos perante o eldorado da psicologia, porque a tudo quanto foi dito acrescemos ainda pais que estão dispostos a esgotar a disponibilidade financeira em qualquer paliativo que prometa melhorias, mesmo que minúsculas e impossíveis de serem directamente imputadas às terapias em curso.
Calma. Use a sua intuição, aprenda a confiar nela. É a Isa a especialista do seu filho. Não deixe que o olhar alheio condicione o seu julgamento. É precisamente aqui que tem de impor as suas regras sem medo, vergonha ou pudor: seja clara quando pede informações, peça doze vezes se necessário e lembre-se as respostas têm de fazer sentido para si. O resto vem por acréscimo. Força.