quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Mais e mais dúvidas

Na preocupação de que nenhuma das pessoas que sabem perca a naturalidade, perdi-a eu. Tudo me parece mal, desadequado e maçador. Sei o que é brincar com prazer. E não me parece que o deixemos. Comecei a estabelecer para os outros ordens que, sem querer, podem afectar a personalidade do meu filho. "Não o provoques", digo à minha mãe. "Não te metas com ele agora que está de neura. Deixa- o estar. Respeita o seu tempo e o seu espaço. Não digas assim, diz antes assado, Não digas homem, diz antes senhor.". Frases que me saem inadvertidamente e que chateiam quem me ouve. É uma faca de dois gumes. Não quero que o tratem diferente, mas potencio essa diferença. Ele ouve as minhas advertências e, decerto, interpreta-as como "Eu é que sou importante. Todos estão proibidos de me chatear quando estou zangado". Como se as chatices não fizessem parte da própria condição de ser. Há dois ou três dias, a avó do meu filho, minha mãe proporcionou isto aos meus ouvidos:

- Pedro (nome fictício), onde está a maçã? A maçã? Onde está a maçã? Dá a maçã à avó. Dá a maçã à mãe. A maçã? A maçã? Maçã, maçã, maçã... Maçã e MAÇÃ, MAÇÃAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA.


Foi o que eu ouvi. Ele não sei. Deu-lhe a maçã e virou costas. Imaginei-o, um destes dias, a deitar fuminho pelas orelhas, com os fusíveis a queimar. CHATOS. NÓS SOMOS CHATOS.

Não tive mais. Nesta e noutras circunstâncias sai-me: "Mas ele é alguma cobaia??? Algum rato de laboratório???".

Sinceramente, não sei até que ponto o querer ajudar tanto lhe é benéfico, em certos aspectos. Talvez o torne ainda mais diferente, lhe acentue as imaturidades. Olho para o meu afilhado. Parece um meninão. Age como um rapaz. Pode não saber metade, não ligar a letras, a números, notas musicais ou puzzles, mas lá vai crescendo sem estímulos de maior, todo desenrascado. Imagino-nos a fazer o mesmo com ele. As solicitações, por vezes absurdas para que faça algo que não quer fazer. Não nos ligaria por mais de dois segundos, a nós e às nossas metas aborrecidas e exigentes. Se a minha mãe me tivesse criado com tantos salamaleques eu seria, certamente, diferente daquilo que sou hoje. Se a minha sogra não respeitasse tanto o filho, talvez o meu marido não fosse hoje o optimista que é, com alicerces sólidos debaixo do pensamento.

A chamada intervenção precoce pode ter, de facto, dois lados. Não o massacramos, mas, obviamente, agimos de forma diferente daquela em que eramos família antes do autismo parar na nossa casa como uma sombra desavinda. O meu filho já diz as palavras todas, repete-as, até mesmo as que parecem mais difíceis. Comunica com tudo, com o corpo, com os abraços, com os olhares e com os sorrisos, mas o meu grande desgosto continua a ser não manifestar intenção de nos dar conta dos seus sentimentos.

Dizer: Tenho frio, tenho fome, tenho medo, quero mimo, quero outra roupa. Manifesta, por exemplo, intenções com palavras soltas: pepê, água, bolacha, pão, colo ou titi, mamã, papá (quando pretende a companhia de alguém em particular). Não sei se sairá deste patamar, apesar das evoluções cadentes que vai tendo. É bem capaz de sair mais e mais, ao seu ritmo lento. Mas se calhar nunca será grande conversador. Assim como assim, aquilo que não me posso permitir é o de estar a criar um pequeno tirano, a pretexto de uma característica (perturbação?) do seu desenvolvimento.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cara Isa,
O seu post não poderia vir num momento mais acertado!Também nós continuamos com muitas dúvidas e uma delas tem a ver com o tema que aborda:a "educação" nas coisas mais simples.Devemos puni-los quando se portam mal?E como?É melhor um tabefe ou um castigo?E que castigo?Privá-los da tv ou de outra actividade que gostam?
Porque o nosso voltou esta semana a fazer uma das coisas que há um ano atrás,antes do diagnóstico muito nos preocupava,"tirar" coisas...desta vez apanhámo-lo com mais de 4 € e não sabemos onde os arranjou...Noutras ocasiões já aplicámos os vários castigos mas que parecem não surtir qualquer efeito a médio prazo.Desta vez ralhámos,tirámos-lhe o dinheiro e nada mais.Temos a sensação que ele não entende o sentido de "propriedade", quando vê uma coisa que gosta e quer,agarra e pronto. Vou enviar um e-mail à psicóloga do CADIN que o avaliou perguntando exactamente o que devemos fazer.Depois,dou-lhe notícias da resposta.
Um beijo.

. disse...

Mariamartim, é isso em absoluto. Fazer o quê quando infringem regras, qdo se portam mal, quando são mal educados? Explicar apenas que é errado? Chegará? Não estaremos a fazer com que se julguem impunes a tudo? E dar palmadas pedagógicas? Será possível que as compreendam de forma tão errada que as julguem injustas e os façam querer fugir ainda mais? Pois é. Muito, muito difícil escollher, saber, acertar. Se eles nunca tivessem sido diagnosticados com nada, talvez também não soubessemos ao certo o que fazer com a educação deles. Mas também não me parece que tivessemos tantas dúvidas e receios de estar a agir mal. É isso que nos transtorna a normalidade. Quanto ao seu filho, também não sei o que faria. Já deve ter tentado de tudo e é muito provável que ele, de facto, não perceba que nem todas as coisas são de todos. Depois diga qualquer coisa sobre os conselhos da psicóloga. Um beijinho