segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Às vezes

quando, por minutos, temos um pesadelo trágico, agradecemos o acordar. No quente da cama, tudo está, afinal, bem. Foi só um pesadelo, um sonho mau. O alívio é indescritível. Parte de mim, ainda anseia acordar. Já nem sei ao certo onde tudo começou. Sei que, aos poucos, de tanto pensar, de tanto reflectir, sou eu própria um caleidoscópio de dores. De nada me serve rever cada momento, porque nele pouco encontrarei de inconsistente com a evolução de uma criança. Agora que o céu se desfez em mim, com a fúria de uma tempestade, agarro cada pedaço, tentando registar inconsistências, pensamentos soltos. O meu filho faz hoje 26 meses. Dois anos e dois meses.

Quando era bebé, sorriu muito cedo. Sorria muito. Ao mínimo sinal de simpatia de estranhos e familiares... Era um bebé extremamente simpático. Sempre adorou rir. Nunca lhe notei nada de estranho ou diferente. Gatinhou no prazo aceitável, andou aos 13 meses, desenvolveu incrivelmente bem ao nível motor. Lembro-me que, ao nível da fala, achei, em determinada fase, que estava a perder terreno. Não lhe notava grandes evoluções. Foi talvez este o principal sinal. Sei agora que há teorias que referem que, se aos 12 meses, um bebé não reagir ao chamamento do seu nome, tem mais probabilidades do que os outros de vir a ter um quadro autista.

Ainda estava muito longe de o saber. Neste puzzle interminável, também aponto agora o facto de ele não chamar pelo pai ou pela mãe, resistir a aprender o olá e o tchau. Nunca pareceu dar grande importância às acrobacias sociais. Nem eu, na altura. Ironicamente, sempre disse que nunca me preocuparia muito em ensinar "gracinhas" ao meu filho. A vida é toda ela uma ironia, sem dúvida alguma. Aos poucos, e por comparação, comecei a achar estranho o facto de não estar a desenvolver a fala a um ritmo adequado. Também não demonstrava um interesse por aí além nos estranhos, com as devidas excepções. O facto de resistir ao contacto com os avós, embora longe e de visitas pouco assíduas, também me causou certa estranheza.

Não adianta muito coleccionar sinais. Havia algo de diferente, sem dúvida. Os meninos da idade dele comportavam-se de uma forma mais atenta ao mundo. De todos os lados, havia quem desdramatizasse. Os meninos falam mais tarde. Há, inclusivamente, um caso no infantário dele de um menino com mais meio ano que ainda não fala quase nada. Nada disso me sossegou, como o provei pelos passos que dei a seguir. Depois foi um relativo isolamento. Interacção diminuída. Há dois meses, levei-o a uma terapeuta da fala, sem sonhar sequer com o que me esperava. Após falar em várias hipóteses, e sem qualquer avaliação, considerou haver "sinais dúbios" da possibilidade de traços autistas. Começou o meu flashback. Desde então, a minha mente não parou por um segundo. O meu filho passou a ser um "case- study" aos meus olhos. Vivi cada dia num misto de angústia e negação. Alegria e tristeza.

Cada conquista era aplaudida. Cada sinal estranho vivido como uma desgraça. O meu filho, às vezes, parece-me só imaturo. Mas estou já preparada para o pior (?). Sinto-me no início da travessia. Aos meus pés, uma corda bamba e um poço sem fundo. Com uns exercícios mais específicos, saímos da terapeuta com a indicação de voltar dois meses depois. Já não fui lá, mas sim ao Cadin, em Cascais. Fez anteontem uma semana, que o médico considerou haver uma "forte suspeita" de uma Perturbação do Espectro Autista. Qual não sei. Espera-nos uma consulta de avaliação no dia 2 de Novembro. O dia em que um capítulo da nossa história pode ser encerrado para começar um novo. Mais tarde, publicarei excertos da minha catarse. Da minha metamorfose dolorosa. Dos meus medos e reflexões. Uns mais apatetados do que outros. Todos querendo encontrar uma tábua de salvação. Neste momento, nada mais me sinto se não uma náufraga.

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