quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Casos práticos

Não é que importe verdadeiramente a procura de genes que possam ter alguma implicação. Mas, numa primeira fase, é inevitável não o fazer.

Tem 32 anos. Mora com os pais, depois de se separar da companheira, que é, por ironias, o oposto dele. Aventureira e destemida, capaz de fazer as malas e rumar para um e outro país na busca de melhores condições de vida. Ele é quieto, calado e depende dos outros para muita coisa, incluindo ir ao médico ou tratar de papeladas. Isola-se no computador, horas a fio, não permitindo interrupções ou incómodos, mesmo não estando, actualmente, na casa dele. "Quem está mal, muda-se", parece ser o lema que lhe rege a vida. E di-lo sempre que é arreliado, sem qualquer pudor.

Ouço mais atentamente agora as histórias da sua infância. De como estava quieto, sem fazer asneiras, a brincar, sempre sossegado. De como chorava a plenos pulmões sempre que lhe pediam para ir fazer um recado. De como não tolerava que alguém mexesse nos objectos dele ou sequer que lhe movessem a disposição das coisas no quarto. Inevitavelmente, comparado a toda a hora com um irmão fura- vidas, desinquieto, falador e alegre. Onde e como se ajudaram? Ou, pelo contrário, não se terão anulado em certos momentos? Sei que os comparam. Sempre os compararam, o que pode ter acentuado a baixa auto- estima de um e enaltecido o ego do outro.

Presentemente, o que se nota mais é um claro descomprometimento face às trocas sociais. "Tu dás-me o mundo e arredas-me as pedras do caminho porque tens obrigação. Eu nada te dou. Aliás, nem me lembro de que, na vida, há que dar para receber". Tem pontos positivos. Ternura por crianças, em certos momentos. Sentido de humor, quando está disponível. Olha nos olhos e, por vezes, parece apenas um fanático da informática muito mimado. Os pais sabem que ele sofre e nunca conseguiram que ele fosse a um especialista. A vida, de alguma forma, tem-no ajudado a ser um pouco mais independente. Trabalha, mas as mudanças afligem-no. Adia e protela sine die o envio de um currículo, com medo de enfrentar a questão. Deixa avançar aquela doença ou mal estar, por falta de coragem de se mexer sozinho.

Desde miúdo tem crises inexplicáveis de dores, nas quais se contorce, perante o horror da família, sem nunca nada lhe ter sido diagnosticado. Somatiza o mal- estar, digo eu. Os pais temem agora o seu estado de agressividade latente. Responde mal, por sistema. Se está a jogar computador algo barulhento e alguém lhe pede para baixar o som, por exemplo, mostra-se perturbado e não cumpre o que lhe pedem, nem por cortesia. Sabe-se que há algo errado com ele. O quê? Porquê? Pelo que contam, veio com ele. Mas nunca se deu um passo efectivo para o ajudar, o que poderia ter-lhe evitado muitos sofrimentos. Mesmo assim, se há nele algum traço de Asperger (como acha o médico que viu o meu filho) conseguiu integrar-se relativamente bem. Tem saído com amigos, unidos por interesses da área. Sabe conversar. Sabe rir. É algo estranho, mas, de quem vê de fora, não é mais estranho do que muitos normais anormais que por aí abundam.

4 comentários:

Anônimo disse...

:-)
Agora a minha capacidade de distinguir as pessoas com comportamentos dentro do espectro do autismo é avassaladora...

. disse...

Maria, aqui há dias li algures que existe uma vida antes de descobrirmos o autismo e outra depois. Mudamos a forma de ver os outros. Não lhe sei é dizer se isso é bom ou mau.

:)

Sou como Tu

Anônimo disse...

Também já "diagnostiquei" alguns, incluindo eu própria. :)

. disse...

Mrs- Noris, olha que eu, numa avaliação, também já não sei... :D

Sou como Tu