sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Para o eco blogosférico

- Tendo um mundo só deles, misterioso e, de vários prismas, perturbadoramente impenetrável, quem dispõe de um entendimento maior sobre a realidade? Eles, que a temem, ou nós que a enfrentamos? Eles que se escapam para dentro, sempre que se assustam, ou nós que andamos por aí, com sacos de fantasmas às costas? Há uma noção em alguns mentes quiçá mais simples e sonhadoras como a minha, de que os autistas percebem mais do que aquilo que aparentam. A prova disso, mais do que não seja, surge em certas reacções surpreendentes, em que, aos nossos olhos, quase que jurávamos ter à nossa frente um ser humano sem nenhuma incapacidade social ou comunicacional. E esses momentos existem, de facto.

- Há relatos de mães que julgaram que os filhos de dois anos eram distraídos, nada pareciam ouvir e a pouco reagiam. Anos mais tarde, já crianças de escola, recordam-se em pormenor deste e daquele episódio, provando que estavam lá e que guardaram registo disso. O grande enigma prender-se-à sempre com os porquês. Porque é que sabem falar e não falam? Porque é que sabem chorar e não choram? Porque o fazem só às vezes? Essa inconstância é que nos tira o chão da lógica. E sabe Deus como todos nos socorremos da lógica para organizar tudo nesta vida, incluindo emoções. Hoje estive no Planeta Asperger. Como sempre, e como todos nós, dá-se a voltinha da praxe pelos espaços virtuais que nos aproximam, mesmo nas diferenças. Perturbaram-me duas coisas no www.fromplanetasperger.blogspot.com

Isto:

"Continuarei a percorrer este "caminho"com todas as receitas de amor,disciplina,treino mas "pelo andar da carruagem"não vislumbro qualquer "clic"que altere o percurso das coisas.E não me interessa se ele tem 80% ou 40% nos testes porque também já percebi que os conhecimentos que adquire não lhe servem para nada.A informação fica lá no disco rígido mas o software para a processar no momento certo não funciona...", escrito por MariaMartim.

E isto:

"O meu filho na noite da morte do meu pai passou-a excitadíssimo a jogar playstation... Na altura ainda não tinha diagnóstico de SA. Acho que foi a coisa que mais me chocou até hoje. E nunca mais falou no avô... e se eram ligados...", relatado pelo Asper, autor do blog


Estes são, sem dúvida nenhuma, os dois grandes medos dos pais e familiares destes meninos. Talvez a constatação mais forte de que somos tão diferentes deles como eles são de nós. Ou não. Não sabemos. Esta aparente frieza face a algumas circunstâncias não é fácil de perceber ou explicar. Principalmente porque, em certas ocasiões, eles nos mostram outros lados. Nunca terei coragem de o tentar comprovar, propositadamente. Tenho medo. Se eu desaparecesse, o meu filho perguntaria por mim? Que sofreria pela minha ausência, não tenho a mínima dúvida. Mas choraria, ficaria marcado pela perda? Não chorar, significaria ausência de emoções? Seria mais uma defesa? Uma vez mais, a não compreensão e a não certeza é o que mais perturba e, como bem disse o Asper, que mais choca. O meu filho adora a tia, mas quando ela não está durante dois ou três dias, não pergunta por ela. Não quererá saber?


Não esperar mais nenhum "clic" é, definitivamente, o momento decisivo em que os aceitamos como são. Mas, por certo, a transição que mais pode magoar-nos. Viver com esperanças vãs é diferente de viver com optimismo quase resignado. Julgo que fere mais a primeira opção de vida. Por vezes, também me pergunto se o meu filho pediria o jantar se eu, deliberadamente, me "esquecesse" de lho dar. Petiscar sabe ele. Vai buscar o que quer aos armários e em cima da mesa. Mas almoço, jantar, banho? Notará ele se o privarmos destas coisas? Comove-me o realismo da MariaMartim, aceitando a realidade como nós, supostamente outsiders do autismo, a interpretamos. Mas, nitidamente, sem nunca baixar os braços. Aceitá-los não significa desistir deles, sei-o bem e fica provado nas palavras de pais de aspies e autistas mais velhos. Mas creio que a aceitação mais difícil de alcançar é aquela em que deixamos de tentar que eles sejam iguais ou parecidos connosco. E, sobretudo, desistir de os entender à luz dos padrões que estabelecemos para a normalidade.


*Peço desculpa por ter "usurpado" partes dos testemunhos. Espero não ter abusado da boa vontade dos autores. Queria responder no blog do Asper, mas seria demasiado extenso. Se preferirem, retiro as citações.

11 comentários:

Anônimo disse...

Boa Noite Isa

Tenho lido os seus posts.
Já vamos sabendo das venturas e desventuras de cada um de nós.
Em primeiro lugar quero lhe dar os parabéns pelo novo rebento que vêm a caminho, que tenha uma hora "pequenina "( como diz o ditado popular).
E anime-se que essa menina que está para chegar vai ser uma benção para o irmão mais velho.Acredite.
Razóavelmente revelador,das emoções do meu Aspie.
Há cinco anos perdi a minha mãe da vida terrena.
Como eu estava muito chorosa, o meu Aspie como conforto perguntava-me porquê choras (como se ele não soubesse).
Eu para não o chocar com a palavra morte, dizia-lhe que a minha mãe tinha partido, e explicava-lhe que as pessoas que nós amamos muito, ficam sempre no nosso coração.
Argumentos dele:
Mas ela morreu.
Já era velhota.
Quando tu morreres eu vou chorar.
(mais uma obrigação chorar quando eu morrer, será).
Ainda hoje quando nos referimos há avó que viveu sempre com ele, diz-me sempre era a tua mãe.
Secalhar ele é que tem razão, afinal a vida é uma passagem.
Muita força ...
E um abraço
Maria Viana

Anônimo disse...

Cara Isa,
Na verdade, de todos os aspectos do SA o que mais me aflige é esta "diferença" emocional.Eu tenho a sensação que ele sente,gosta,desgosta,mas a maneira como o exprime é muito mais que esquisita, é anormal!!!Já o vi mais desgostado com o facto de não haver mousse de chocolate no restaurante do que com o facto de o irmão não ir passear com ele...E como o amor, por mais que se diga,é um sentimento reflexo,é difícl "amar" estas crianças...ninguém diga que não!Ir com ele ao café ou ao supermercado e não ter uma conversa,um agrado, ir como se fossemos sozinhos,doi, desgosta...Não ter um abraço espontâneo, um beijo que seja...Só a parte racional nos permite ultrapassar este vazio de afectos.
Ainda bem que cada vez temos mais espaços como o seu e o do Asper para "desabafar"...nos momentos pesados...como é o de hoje...
Um grande beijo!
mariamartin

. disse...

Maria Viana, pois. Talvez eles saibam mais do que nós. Ou coisas que não sabemos. Não deixa de ser uma "teoria" que nos apazigua um bocadinho as diferenças. Obrigada por se referir à minha menina, que nascerá brevemente. Nem imagina como tenho medo de a receber, pois o meu rapazote é extremamente ciumento.

Maria Martim, noto que, nesta viagem, está num momento de descida. Sei bem que, daqui a uns dias, voltará a fazer a subida e vai sentir-se muito melhor. Entristece-me lê-la, de certa forma porque também tenho andado assim, no sobe e desce. Nos momentos de maior desânimo, choro mais pelas conversas que posso nunca vir a ter com o meu menino. E como eu gostava de as ter, de o conhecer, de partilhar, de sermos amigos. Alegra-me o facto de ele ser extremamente afectuoso. É muito de abraços, beijos, olhares apaixonados. E, mesmo assim, sinto-me, por vezes, sozinha, antevendo e equacionando outras "falhas" de empatia, simpatia e comunicação. É toda uma nova relação "inventada" que temos de construir, inventando-a do zero. Mas vamos acreditar que, de facto, eles só não o sabem demonstrar. Tb vejo o meu filho a rir à gargalhada quando eu choro e isso entristece-me. Desculpo-o por ser pequenino, mas e depois?
Um abraço solidário


Sou como Tu

Anônimo disse...

Olá a todos,
É muito difícil para o meu filho entender as boas maneiras, distinguir, na prática, o certo do errado.
Há uma menina na escola do meu filho que apesar de ter 7 ou 8 anos ainda se encontra a frequentar uma sala de pré-escolar. Segundo me foi informado por uma ajudante, a criança em questão é “meio deficiente” e no recreio tenta-se que não se aproxime das outras crianças pois puxa cabelos e belisca até fazer hematoma. Por essa razão normalmente vagueia no recreio pela mão de uma ajudante. O meu filho de vez em quando chega a casa com marcas nos braços e pescoço, e fazem questão de me informar que foram obra da tal criança. Ele chora muito quando o magoam. No entanto, um dia presenciei o seguinte: ao chegar à escola estava a tal menina agarrada a um braço de uma outra criança que gritava aflita e a ajudante por sua vez tentava separa-las. O meu filho ria-se às gargalhadas com o que se estava a passar. Expliquei-lhe que não devia agir assim. Em vão! Pois ainda há dias estava ele na cama já quase adormecido e de repente começa a rir-se sozinho. Perguntei porque se ria e ele respondeu: “Hoje a M puxou o cabelo da MF!” E remata às gargalhadas: “E eu ri!”

. disse...

Mrs Noris, o mais fascinante de tudo é esse sentido de humor algo peculiar. Mas eles têm sentido de humor. Não sei se haverá muito a fazer, a não ser ensiná-los a controlar os risos em momentos impróprios, como sendo a "desgraça" e a dor alheia. Assim de repente, lembro-me que toda a gente acha imensa graça aos tombos dos outros...A única diferença é que primeiro esperamos para ver se a pessoa saiu ilesa da queda. Desse ponto de vista até somos parecidos...:S


Sou como Tu

Anônimo disse...

Isa,
Eu nunca achei graça às quedas dos outros e ficava chocada quando alguém se ria com isso, mesmo quando era criança. Hoje não tolero essa atitude tola por parte de pessoas adultas. Assim como não tolero muitas outras. Não tolero aqueles adultos (muitos deles aparentemente felizes) que são incapazes de dominar-se a si mesmos ou que não possuem o indispensável saber estar no mundo. E saiu-me um na rifa. Enfim, a ver vamos... :)
Um beijinho.

Anônimo disse...

Olá Isa e restantes amigos do blog.
Hoje ponderei um pouco antes de escrever, pois estou num momento de descida, a tentar "meter a mudança",para voltar a escalar a montanha e não queria "contaminar-vos" com algum desânimo. Mas, como já todos sabemos, isso no nosso percurso é assim mesmo, um carrocel e, por isso, resolvi falar convosco, sobre este assunto.
De facto, o meu pequeno, que ainda só tem 4 anos, parece revelar alguma preocupação com o nosso estado de ânimo. Exemplifico: se em casa, estou muito tempo no escritório a trabalhar, ele vai ter comigo, põe-me as mãos na cara e puxa-me os lábios para cima, para eu sorrir. Eu lá lhe explico que não estou triste, faço uma pausa e lá vou brincar um pouco com ele. Outra situação: se eu dou um raspanete ao meu filho mais velho, ele vem logo agarrar-se a mim, a sorrir para mim, como quem diz, eu não fiz nada, não te zangues comigo. Ou ainda, por vezes, quando ralho ao irmão, ele vem ralhar comigo, ou, se lhe ralho a ele, ele agarra-se a mim a chorar, e quer que eu o abrace e lhe dê beijos para não me zangar com ele. Ou seja, eu acho que ele sabe avaliar os estados emocionais e parece-me que tem reagido mais ou menos de forma "adequada" para a idade. É certo que tem ainda uma baixa tolerância à frustração e reage de forma exagerada quando contrariado. Também é certo que já o tenho visto a rir sozinho sem que eu perceba porquê.
Já agora, aproveito também para vos dizer que, em parte, a minha fase descendente se deve ao facto de, este fim-de-semana, ter estado num encontro de pais sobre Autismo, no Hospital Garcia da Orta, onde me deparei com crianças/jovens (houve pais que as levaram, pois não teriam onde as deixar), nos quais a perturbação está muito marcada: estereotipias tipicas e constantes, comportamentos desadequados às circunstâncias e local, etc. Isso , a par de comentários de alguns pais, cujo percurso já será longo e cansativo, mostrou haver muita angustia, revolta e sentimento de injustiça e abandono por parte de muitas entidades que deveriam assumir mais as suas obrigações para com eles, para connosco.Apesar de tudo, a parte de intervenção dos médicos ( que não adiantaram progressos na medicina, porque não os há), bem como os terapeutas de intervenção,foi interessante, sendo de destacar, por isso aqui refiro, a interveção de uma professora de sala TEACCH, que falou da nova organização que o Ministério da Educação está a dar às Necessidades Educativas Especiais, nas perturbações de espectro de autismo, que, em substituição das salas TEACH, estão a criar Centros de Recursos nas escolas, centros esses compostos por vários técnicos, que vão fazendo o acompanhamento da criança, com a metodologia TEACH e promovendo e preparando a comunidade escolar, para a integração da criança, na turma regular, à medida que ela vai criando as competências necessárias para o efeito, para que o processo não seja penoso nem para a criança, nem para os restantes alunos, que não sabem como devem reagir. O que foi referido, foi que cada sala, criada em cada agrupamento ou escola, terá 6 crianças ( poderá ter mais ou menos)acompanhados por professores com formação especial, 2 auxiliares e terapeuta da fala ( penso que referiram tambem psicologos). Referiu ainda, e isto parece-me o mais importante, desde que haja 2 a 3 crianças com esta problematica, a escola pode pedir um centro de recursos e se esta não fizer caberá aos pais, junto da Direcção-Geral da Inovação e do Desenvolvimento Curricular (dgide.min.edu.pt) solicitar tal. E isto funciona para o 1º, 2º e 3º ciclo. Por isso, os pais que têm filhos nestas idades, vejam a posibilidade de se concretizar esta ajuda para os vossos filhos.
Até à proxima e boa semana para todos.
Maria Anjos

. disse...

Mrs Noris, eu confesso que me rio muito... mas só dos meus próprios tombos. Felizmente nunca nenhum grave, mas apenas algo ridículos. Referia-me mais aos jovens/adolescentes. E sim, até alguns adultos o fazem, infelizmente. Eu costumo ficar bem aflita quando vejo os outros em apuros, mas lembro-me que quando era mais nova cheguei a rir-me de quedas de colegas. Era parvinha. A idade era parvinha... Esperemos que os nossos meninos estejam ainda nessa fase.

Maria Anjos, realmente, espera-nos um percurso acidentado e cheio de factores externos desanimadores. Talvez consigamos fazer algo, quem sabe? Já muitos desbravaram caminho e nós continuaremos a fazê-lo. Que tenhamos sempre forças para tal. Da minha parte, nem sei... Ainda estou muito longe de muitos "problemas" futuros, mas gostava já de começar a fazer algo pelos outros (e pelo meu). Por aqui, há apenas uma escola que aceita autistas e crianças "normais" em regime misto, com profissionais direccionados para este tipo de abordagem. Pela quantidade de meninos com PEAS, julgo que, quando chegar a idade escolar do meu, já possa haver mais oferta. Até lá, tudo farei para ir construindo esta estrada... Desejo que meta a mudança rápido. Sei que o fará assim que possa. Mas de uma coisa temos de ter a certeza: enquanto houver em nós sensibilidade, sofreremos sempre. Pelos problemas dos nossos filhos, mas também pelos dos outros. É que uma vez dentro deste mundo, é impossível voltarmos ao que éramos.

Um beijinho grande


Sou como Tu

. disse...

*Maria Anjos, esqueci-me de lhe dizer que acho muito positiva a reacção do seu filho aos seus estados emocionais.

Anônimo disse...

Olá Isa

Saber mais do que nós sabem de certeza, não sabem é utilizar na hora e no tempo certo.
Se eu lhe contasse o que o meu tem no disco rigido um acumular de informação das mais variadas áreas, pudera 22 anos só a assimilar, sem eliminar, isto é que vai uma "baita" de uma confusão, lol.
E quanto ao seu se manifestar ciúmes com o nascimento da irmã, fique feliz por isso, pois normalmente não têem esse tipo de sentimentos ,parece-me mesmo ausência de sentido de posse.
No caso do meu que foi filho único quase 9 anos, até aceitou muito bem a irmã e nunca manifestou uma pontinha de ciúme.
Boa Sorte
E um abraço

Maria Viana

Anônimo disse...

Caras Isa e Maria dos Anjos,
Não há dúvida que estou num desses momentos de "descida" nesta montanha russa de sentimentos que diariamente nos assolam!Mas amanhã estarei melhor!É inevitável não sofrer...por eles, mais do que com eles...Minha querida Isa não sei quando vai ser "a hora" mas como dizia a minha avó desejo que seja "uma boa hora"!!!(eu nunca tive nenhuma...sou daquelas mulheres que outras acham que foram abençoadas...estéril!)
Por isso a minha "maternidade" tem sido sempre afectiva, nunca física.Talvez por isso o vazio de afectos que recebo do meu aspie seja mais notado...Ser mãe para mim sempre foi algo de muito importante e inalcançavel.
Vai ver que o bébé que aí vem vai ser uma benção...E o seu menino vai experenciar sentimentos novos,embora possa não os demonstrar.Um grande beijinho!
Mariamartin