sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Curtas e ocas

-Dizer que o autismo é multifactorial parece-me uma multitreta. É a mesma coisa que dizer que pode ter sido um pinguinho de chuva ou um raiozinho de sol. Mais valia dizer: alguma coisa o provocou, mas não sabemos se foram coisas ou loisas.


- "O que tem, para já, não chega para o enquadrar num quadro autista. Os sinais podem diluir-se completamente. Mas não lhe posso garantir como será o seu filho dentro de cinco anos ou dez", disse-me ela. "E de si e de mim, pode??", pergunto-lhe.

- Tal como meu marido passou, de repente, a ressonar do piso dos quartos até à garagem, fazendo mais barulho do que uma caldeira em fim de tempo, também o meu filho adquiriu outras facetas, num repente. No infantário diz-se que lhe deu o "clique" do crescimento. Sobretudo nos últimos três meses. Fala cada vez mais, já não lhe conto as palavras, responde, obedece, dança, canta, beija e abraça muito. Naturalmente, o que lhes sobra de alegria a elas, sobra-me de cautela a mim. Esta porra das Perturbações do Espectro Autista têm muito que se lhes diga. Uma vez entrando neste mundo, dificilmente voltaremos a ser o que eramos. Não temos descanso mental e temos medo de acreditar. Mas o que é certo é que as minhas antenas de mãe ainda não estão satisfeitas. Não porque não me espante este desabrochar. Aprecio-o e dou-lhe imenso valor. Mas tenho para mim que, em termos comunicativos, ainda não está no ponto. Em vez de chamar mamã, manda uns gritos meios tribais. Ainda acha que devemos adivinhar que ele tem sede. Já pede pão e diz mamã quando me vê, mas está ainda aquém de usar os recursos que a comunicação lhe podem possibilitar. Veremos onde nos leva esta longa estrada.

- A televisão tem estado quase sempre desligada lá em casa. Os serões são passados em brincadeiras e actividades. Cumprimos a indicação de que devemos "estar sempre em cima". Uma vez mais, incomoda-me este cerco. Porque penso sempre que ele pode achar-nos uns grandes chatos e a coisa passar a ter o efeito contrário, acentuando dependências. Um manual, please?

8 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito dos três primeiros parágrafos :-)
Acho mesmo que é o post que mais gostei de ler até agora :-P

Quanto ao último... nem tudo ao mar nem tudo à terra: (ainda) há desenhos animados que transmitem, a brincar, valores, afectos - a minha gosta muito do Ruca, por exemplo... e eu também!
Ah, e não exagere no "estar sempre em cima": dê-lhe espaço, sff :-P

Manual? Também eu queria... mas de ser mãe, seja de que filho for. Nem sabe a trabalheira que tenho tido com a mais velha :-)

. disse...

Maria :D Vê-la aqui é sempre um sorriso garantido. Este post é mais leve um bocadinho do que os restantes. Se calhar por isso gostou dele. Que eu sou pesadota nas minhas reflexões, por vezes. Pode crer que o manual para todos os filhos seria utilíssimo!

Sou como Tu

Anônimo disse...

Prefiro lê-la assim menos dramática. Nada como uma boa dose de ironia, inteligência e humor para nos ajudar a reflectir e decidir sobre um assunto muito sério. :)
Bom fim de semana!
Beijo.

. disse...

Mr Noris, acredito. :) Mas tive que passar por aí para chegar aqui. Quem me dera a mim, estar sempre optimista. Também não me pareceria muito normal queimar etapas. Tenho para os meus botões que este blog será sempre um misto de dramatismo e alegria. Comme la vie. Beijinho


Sou como Tu

Anônimo disse...

Manual...

seria necessário um para se ser pai/mãe, outro para se ser filho, outro para marido/mulher/namorado(a)/amante, outro para amigo, outro...

Muito sinceramente, acho que vivemos muito melhor assim, basta seguir a intuição e o bom senso. Umas vezes erra-se, outras acerta-se, mas é assim que se aprende.

Zuza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

:))

Há um manual sim: mas és tu q estás a escrevê-lo. Podes até consultar bibliografia para o melhorar, mas o que realmente vai contar vai ser o q fores tu a escrever! E pela forma como escreves só pode ser um bom sinal! ;))

(eu gosto de todos os posts. são como os dias: uns mais alegres do q outros ;))

Anônimo disse...

Acho óptima a ideia da televisão. Tempo salutar de família. Na melhor das hipóteses e sendo o seu filho reavaliado daqui a pouco tempo como "neurotípico" (o cunho linguístico pós-moderno para "normal") verá que foi tempo bem passado. Na pior das hipóteses - que nem considero que mereça a pena pensar 1 minuto que seja - está a fazer o máximo para potenciar aquilo que por ora está mais ocluso.
Manuais são como previsões futebolísiticas: só depois do jogo.