domingo, 18 de novembro de 2007

Verdades de La Palice

Ou recaídas.

Nascer sem o dom de comunicar, não é nenhuma doença, benção ou acaso. É uma maldição. É como nascer sem pernas, sem braços, cego ou surdo. Nada tem de animador, de romântico ou de poético. Pode ser melhor do que muita coisa ou pior do que etecetera e tal, mas não me queiram fazer crer que alguém o aceita de ânimo leve, sequer que fique feliz com isso.

Se há diferenças entre uns e outros, tudo deriva da razoabilidade da adaptação a uma situação inesperada. Depois do furacão, é natural que, no meio de um cenário desolador, tenhamos a capacidade de sorrir por estarmos vivos. Faz parte da sobrevivência, depois do caos a ordem aparente. Mas até nisso somos diferentes. Há os que podem cair na tendência de se acharem moralmente superiores na forma como aprenderam a encarar a questão, há os que se acham acima dos demais por terem mais experiência e há os nada disso. Há os que, ao sabor da maré, vão estando guisados ou cozidos, frescos ou assados, esquecendo por dias ou horas, mas sem nunca perdoar.

Porque o autismo não é característica que se deseje a ninguém. Ou que se minimize ao ponto de a transformar em algo quase bom. É nascer com uma incapacidade quase vital. Independentemente de tudo quanto possamos fazer pela nossa sanidade e pela felicidade deles, por mais bonitos e meigos que sejam os nossos filhos, vê-los a sofrer será sempre o nosso triângulo das Bermudas, o nosso calcanhar frágil e desnudado, o ponto fulcral onde todo perderemos a dignidade e o ânimo acumulado nos bons momentos. Parece-me fantástica a capacidade de se ensinar o mais céptico a ver o lado menos mau da coisa. O que não se pode é pensar ou mesmo dar a entender que A, B ou C sabe encarar melhor e viver melhor com isso.

Ninguém sabe. Todos aprendem. Todos se adaptam. Todos sobrevivem. Mas não chame o optimista, trágico ao outro. Não se designem as lágrimas dos outros de dramáticas. Há tempos para tudo. Para voos e retrocessos. Para detentores da verdade, capazes de ridicularizar a dor ou a incredulidade alheia, ou para os verdadeiros cúmplices, os que encostam, ombro com ombro, numa caminhada semelhante. Sem juízos de valor ou verdades lapaliçadas.

4 comentários:

Anônimo disse...

Concordo inteiramente com o que vc escreveu. Qud começamos a desconfiar que a juju tinha alguma coisa diferente (aos 4 meses de idade) foi muito muito sofrido. Não apenas pelo suposição de autismo mas tb pela possibilidade (ainda não totalmente descartarda) de ser uma comorbidade com esclerose tuberosa. Até fazer todos os exames...nossa..Descobrimos um cisto no rim, além de duas manchas brancas no tronco. O que não fecha o diagnóstico mas tb não afasta totalmente a hipótese. Particularmente, eu só comecei a melhorar qud dei inicio a um tratamento para depressão. Engraçado que na medida em que ficava mais tranquila, tudo foi melhorando tb. A juju finalmente (1 ano e 9 meses) começava a interagir com a gente...enfim...de lá pra cá não despenquei mais..possivelmente por conta da medicação e é claro pelas conquistas de minha pequena. Mas...essa imprevisibilidade é muito complicada. Vivi o luto da filha imaginária por muitos meses..não é fácil...
Qut ao blog...poxa te conheci em um momento em que praticamente abandonei o coitado..kkkk talvez retome...mas é que tenho desde minha gravidez então acho que cansei um pouco...kkk mas podemos nos falar por email, orkut...
vc ainda não me disse seu nome nem do seu gatinho!!!

Anônimo disse...

O que escreveu é de facto muito lúcido e concordo plenamente. De facto não nos saiu a sorte grande (técnicos há que quse nos querem levar a pensar isso,o que é um absurdo), mas temos os filhos reais, com as suas limitações e outras coisas menos boas, como também acontece com os ditos "normais". Pensando bem, olhando para o meu filho mais velho, que não tem estes problemas, nem sempre a imagem que traçamos dele se concretiza de facto. Com estes nossos filhos especiais, as coisas, neste aspecto, não diferem muito: não estavamos à espera que o rumo fosse este, agora temos de acertar o passo ( gosto muito da imagem que a mãe da Pérola Preciosa dá da viagem a Itália e acabamos por aterrar na Holanda). É claro que é duro, é claro que gostariamos que assim não fosse, mas é, e, por isso, vamos viver com o que temos. E, de facto, o que temos é muito e bom: filhos meigos que nos obrigam a outra linguagem: dos afectos, dos olhares. Não chega, pois não! Então vamos arranjar outros mecanismos. No meu caso pessoal, se a terapia da fala não chegar, se concluir que ele não vai ter linguagem suficiente, então arranjarei outras formas de ele comunicar com os outros, que é o que aqui está em causa. Sei lá, poderá ser linguagem gestual, linguagem com cartões, etc. Sei que ele percebe tudo, já conhece muitas letras, então penso que ele vai aprender a ler, então, uma vez que estamos na era digital, comunica com os outros por essa via. o que eu sei é que irei sempre lutar para que as dificuldades dele se vão minimizando e ultrapassando. Vai haver momentos de recaída, também é verdade. Mas também aí me irei erguer de novo e seguir em frente, por ele, por mim, por nós ...
Um beijo a todos e força!
Maria Anjos

. disse...

Maria Anjos, :). Por causa das recaídas, não se perde a esperança, tenho noção. Sei que vai haver um pouco de tudo nesta caminhada, mas estou disposta a não esconder nem os altos nem os baixos. Confesso que este post meio "venenoso" teve uma base/opinião que o precipitou. Normalmente, encaro muito melhor. Porque, como muito bem diz, não sabemos quem nos dará mais "trabalho": se os nossos filhos "especiais", se os nossos filhos "normais", se nós próprios. Mas tenho momentos maus, sem dúvida. Ontem à noite foi um deles... Estava eu num pranto, por vários motivos (hormonais também, lol) e o meu pequeno saltava em cima de mim, imperturbável, a rir. Défice de empatia encaixa na perfeição. Senti-me muito só.

Sou como Tu

. disse...

Jane, vou mandar-te um email assim que possa. Quanto à esclerose tuberosa, li no teu blog. Li vários posts. Espero que não seja nada disso. Vou rezar por vcs. Se não vais reactivar o blog, é melhor mesmo falarmos por email. Mas reconsidera, é uma pena acabares com aquele cantinho.


Sou como Tu